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sexta-feira, 19 de junho de 2020

Eduardo Mondlane pode ter sido o maior líder nacionalista em África



Pedro Borges Graça é professor na Universidade de Lisboa, onde Eduardo Mondlane estudou entre 1950 a 51. Foi o primeiro académico a escrever uma biografia do nacionalista moçambicano e seguido o seu percurso académico, tal o permite afirmar que em África pode não ter existido um líder nacionalista maior que Eduardo Chivambo Mondlane.

 

Pelo estudo que o senhor Pedro Graça fez e de tudo que viu e leu sobre Eduardo Mondlane, o que se pode dizer sobre esta figura?

Eu acho que Eduardo Mondlane foi um dos maiores líderes nacionalistas africanos. Não sei até se não terá sido o maior de todos, porque o percurso dele é absolutamente extraordinário e não tem correspondência nos países de língua inglesa e francesa. Como se pode ver, ele era um miúdo de 12, 13 anos que andava lá a pastar as cabras, lá no meio do mato e depois tem um processo absolutamente extraordinário, fez doutoramento, coisa que nenhum dos outros líderes têm. Líderes actuantes, que depois vão para a luta anticolonialista. Há uns líderes que escreveram um livro, mas ele era fundamentalmente um académico e seguiu sempre o sonho de ser professor e tem uma densidade de produção académica sem igual, foi o que eu encontrei naquilo que eu investiguei e que escrevi, também. Mais tarde ele quer ser professor universitário e na verdade o destino empura-o para ser um líder nacionalista, ele só muito tarde toma a decisão de se empenhar na luta depois de uma visita que fez a Moçambique em 1961. Essa visita é completamente fundamental, estava já há dez anos que não visitava a sua terra, aliás, há uma fotografia dele que eu publico, está emocionado a chegar, já muita gente estava à espera dele. Eu acho que essa visita foi fundamental para a mudança de atitude, porque quando ele volta da visita ele acaba por ter um percurso que começa a fazer uma crítica ao colonialismo português e a assumir uma posição de destaque nessa crítica como moçambicano nos Estados Unidos.


O que terá sido determinante para esta nova abordagem de Eduardo Mondlane após a visita a Moçambique?

Eu acho que foi o contacto com a realidade e presumo, isso agora só se pode presumir, eu pessoalmente não tenho fonte para isso, mas presumo que tenha sido também por grande influência do seu grande amigo Julius Nyerere, depois dele ter estado no terreno, em Moçambique, ter feito uma série de contactos, mais com o grupo de Craveirinha e depois viajou pela província, mas eu julgo que foi por grande influência de Julius Nyerere, independentemente também das influências familiares, da sua própria mulher, eventualmente dos Estados Unidos, das pessoas que começaram a financiar. Eu julgo que quando ele volta para os Estados Unidos, em 1961, depois dessa visita, julgo que também através da Fundação Ford.

 

Olhando para os outros movimentos, por exemplo, em Angola tivemos três movimentos a lutarem, cada um pela independência, mas em Moçambique terá sido determinante este percurso académico dele, os estudos, olhando para a tese de doutoramento, a dissertação de mestrado dele, o estudo sobre a raça, a etnia, a influência que isto tem nos grupos de influência. Terá isto sido determinante na actuação da FRELIMO ou não?

Os movimentos estão muito localizados do ponto de vista étnico e cultural em Angola, e em Moçambique existindo previamente três movimentações, digamos assim, já com alguma organização para se criar movimentos assim repartidos por identidade étnica e cultural, vai potencialmente reunir, por isso é uma frente. Quando nós olhamos para o percurso dele de estudo, ou precisamente para essa formação de Psicologia Social, ele tem perfeita noção das diferenças existentes entre as várias componentes e como ele tem que gerir todas essas componentes para além da própria frente constituída, tem a ver com questões político-ideológicas, ele no fundo tem ali dois problemas para resolver, um que tem a ver com os diferendos étnico-culturais que possam existir e que existiam e outro também com determinados posicionamentos, estou a pensar desde logo no grupo de Marcelino dos Santos que tinham umas influências nitidamente machistas e ele não era estruturalmente marxista, nunca foi.

 

Até que ponto a formação dele terá sido determinante para garantir que o movimento não fraturasse, tendo em conta as várias crises derivadas de diferenças ideológica, rácicas e étnicas?

E o seu próprio carácter, não vamos só ter em conta influências do meio académico americano, porque é uma parte, faz parte do seu percurso. Ele mesmo no meio académico americano distinguiu-se. As pessoas com quem eu falei, que o conheceram pessoalmente, diziam que ele distinguia-se em qualquer sítio, entre brancos e negros, não interessava, ele distinguia-se logo pelo seu carácter e pela sua personalidade e pela sua diferença. Por exemplo, do perfil dele, um bibliotecário da Universidade de Northwestern, que dizia que ele era completamente diferente dos outros homens, independentemente da raça, porque passeava, naqueles anos 50, com o carrinho de bebé pelas estradas, coisa que não se via mais nenhum homem a fazer. Portanto, ele ia todo contente a passear ao carrinho de bebé com o seu filho, era o primeiro, Eduardo, que era uma pessoa que falava alto, exuberante e que era completamente diferente, se distinguia de outros africanos e americanos.
Quando nós estudamos um pouco mais a fundo o percurso dele, vemos que esse carisma, que ele efectivamente tinha, e que nem todos os líderes têm, esse carisma nato que tinha Eduardo Mondlane está desde logo manifestado quando ele passa da adolescência à idade adulta, começa a ter responsabilidades na organização e ensino dos grupos na igreja a que ele pertencia, e continuou sempre com imposições de liderança ao seu nível etário na organização dos grupos na igreja.

 

O facto da frente ter se sediado na Tanzânia foi uma obra do acaso ou Eduardo Mondlane teve algum papel nisso ou os grupos anteriores tiveram um papel nisso?

Não, foi Eduardo Mondlane. Portanto, Eduardo Mondlane com conhecimento pessoal que tinha com Nyerere. Por isso é que eu estava a dizer que foi uma confluência de movimentos organizativos, porque sem isso a FRELIMO não tinha essa capacidade, os outros grupos não tinham. A relação com Nyerere foi muito forte, desde logo nos Estados Unidos, quando Nyerere ainda não era Presidente e que se apresentou às Nações Unidas como peticionário, nessa altura Eduardo Mondlane já trabalhava na divisão que ouvia os peticionários nas Nações Unidas, e é isso que fez com que criassem uma grande amizade e logo uma grande sintonia entre Julius Nyerere e Eduardo Mondlane. Eu digo-lhe uma coisa, no futuro, quando houver a publicação da correspondência de Eduardo Mondlane com a Janet Mondlane, e são milhares de cartas, acho que muitas dessas questões ficam esclarecidas. Essas cartas até hoje nunca foram publicadas e aí está uma história, aliás, são cartas, ao que eu soube na altura, quando soube da existência dessa correspondência, são cartas que até têm comentários sobre os próprios líderes, na altura, da FRELIMO. Um dia será interessante historicamente ter acesso à toda essa correspondência, que não seja filtrada, que seja real e que não seja censurada, digamos assim, e nós poderemos compreender muitas das divergências, porque a FRELIMO teve sempre conflitos internos e com assassinatos internos...

 

Há uma pergunta que quase sempre os moçambicanos fazem, se Eduardo Mondlane tivesse proclamado a independência, será que Moçambique teria tomado o mesmo rumo, tendo em conta a sua visão?

Eu estou convencido que com Eduardo Mondlane, com a formação que ele tinha, com o entendimento, quer da política e a sociedade, e os problemas socioculturais, que seria diferente daquilo que aconteceu a seguir à independência e que nos tempos que correm ressurgem certos aspectos que tem a ver com esses problemas que ainda estão pendentes, que já não são político-ideológicos claramente definidos com fracturas marxistas e leninistas, mas muitas às vezes com elementos de carácter étnico-cultural que ninguém gosta de falar.

Em O País 

Orgulho Moz ©️ 2020



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